Sob ameaça: os últimos e mais isolados refúgios da Mata Atlântica não estão protegidos de ações impactantes da sociedade brasileira.

Sob ameaça: os últimos e mais isolados refúgios da Mata Atlântica não estão protegidos de ações impactantes da sociedade brasileira.

Autor:

Diogo Loretto

Dr. Ecologia

Laboratório de Biologia e Parasitologia de Mamíferos Silvestres Reservatórios

Instituto Oswaldo Cruz, FIOCRUZ

 

 

Foco da Convenção da Diversidade Biológica, da qual o Brasil é signatário, a Biodiversidade em Montanhas é pauta de agendas internacionais. O Programa Nacional para Pesquisa e Ecossistemas de Montanha, aprovado pelo CONABIO em 2011, estabelece metas para Pesquisa, Monitoramento, e Conservação de sua biodiversidade, que é riquíssima e desperta atenção mundial. De modo geral, as montanhas impõem à sua biota, através de sua variação altimétrica, mudanças de clima, solo, incidência de chuvas, que causam notáveis substituições de espécies dentro dessa variação. Dos vários hotspots de biodiversidade no Brasil, a Mata Atlântica guarda um dos últimos refúgios de notável diversidade e endemismo de espécies: os Campos de Altitude.

Esse ecossistema, marcado por uma vegetação arbustiva-arbórea ou campestre, do alto dos planaltos brasileiros (acima de 1.500 m de altitude), está atualmente isolada nos cumes mais altos das serras, resultado das oscilações climáticas geologicamente recentes: as últimas eras glaciais. Este isolamento é considerado um dos motivos de sua notável biodiversidade e endemismo de espécies. No entanto, tanto o cenário interglacial atual quanto as mudanças climáticas que estão sendo observadas, principalmente o aumento das temperaturas médias local ou regionalmente podem vir a causar deslocamento altitudinal da vegetação e de sua fauna associada. As espécies, portanto, que já estão nas áreas mais altas e não vivem em zonas mais baixas não teriam para onde ir se ao invés da vegetação rasteira dos arbustos ou campos, começassem a proliferar ambientes arbóreos, mais característicos das florestas localizadas nas mesmas serras, mas em altitudes menos elevadas. Isto por si só causaria a extinção local ou completa de uma série de espécies endêmicas.

Adicionalmente a este processo, as montanhas são hoje estudadas mundialmente pelo seu papel de sentinelas, pois recebem grandes cargas de poluentes, como os metais pesados e contaminantes orgânicos, sobretudo substâncias tóxicas persistentes, ou STPs. Essas substâncias, como o mercúrio e agentes inseticidas, podem ser encontrados distantes de suas fontes de origem, mantendo alto grau de toxicidade e potencial bioacumulativo na biota. A maioria dos planaltos do Brasil está próxima a fontes de poluição, vindas das metrópoles e zonas agrícolas. Essas regiões, portanto, muitas vezes dentro de Unidades de Conservação e grosso modo consideradas isoladas, não estão imunes a ação dessas substâncias que produzimos e emitimos para nossa atmosfera.

Dentro deste contexto se enquadra a avaliação que está sendo feita através do estudo coordenado por mim, em parceria com o Instituto de Biofísica da UFRJ (através dos Profs. Rodrigo Meire e Olaf Malm), com a Coleção de Mamíferos, do Setor de Vertebrados do Museu Nacional (Curador Dr. Marcelo Weksler), com o Setor de Genética do INCA (Dra. Cibele R. Bonvicino), e com os membros do Laboratório de Biologia e Parasitologia de Mamíferos Silvestres Reservatórios (IOC-Fiocruz). Neste estudo avaliaremos a presença de poluentes, como o mercúrio, nos tecidos de pequenos mamíferos (roedores e marsupiais) que habitam as regiões mais altas dos planaltos fluminenses. Nessas áreas há uma comunidade característica de pequenos mamíferos, que estão, de modo geral, presentes em todas as zonas altas desde o último período glacial, quando as áreas campestres dominavam o cenário fluminense e conectava todas essas populações.

Até o momento já realizamos coletas no Parque Nacional da Serra dos Órgãos e do Itatiaia. Foram cerca de 120 animais coletados (10 espécies, 8 roedores e 2 marsupiais), que geraram mais de 3.000 amostras, aproveitadas por todos os laboratórios parceiros para uma série de análises periféricas a nosso interesse. Das amostras analisadas quanto à presença de poluentes nos tecidos dos indivíduos coletados, nossos resultados mostram, de maneira geral, que as espécies mais carnívoras possuem concentrações altíssimas de mercúrio acumulado em seu tecido de maior taxa metabólica – o fígado. Em contrapartida, as espécies de hábitos mais granívoros foram as que apresentaram menor concentração de mercúrio nesses mesmos tecidos (concentrações cerca de 100 vezes menores). Embora já tivéssemos conhecimento sobre hábitos alimentares dessas espécies de pequenos mamíferos, não sabíamos se haveria a transmissão direta e, além disso, ainda por descobrir, quais os efeitos fisiológicos e toxicológicos desses poluentes percorrendo as cadeias tróficas destas espécies.

Semelhantes a esses dados, são conhecidas as relações entre a presença de pesticidas e o declínio ou extinção local de populações inteiras de anfíbios. As espécies de pequenos mamíferos e outros animais e vegetais habitantes dos campos de altitude podem estar mais suscetíveis aos afeitos nocivos do aporte e acumulação de poluentes por estarem isoladas nos topos das cadeias montanhosas do estado. Mesmo que os efeitos de cada fator não sejam pronunciados, a interação dos mesmos, por exemplo, diminuição da capacidade reprodutiva por influência de metais pesados como o mercúrio, mudanças nas condições climáticas ou alterações na disponibilidade de recursos mediados pelo aumento da temperatura média, têm o potencial de elevar o risco de extinção local dessas populações.

Por fim, mas não menos importante, podemos concluir que mesmo as áreas isoladas do alto dos planaltos do país dentro de áreas de proteção ambiental estão muito suscetíveis aos efeitos das atividades urbanas da sociedade moderna. Se a sociedade pretende preservar a biodiversidade que compõe o país megadiverso, deve começar o quanto antes a discutir maneiras de diminuir as emissões desses compostos poluentes para o ambiente, sob risco de não só acelerar as extinções de espécies e de processos ecológicos, com consequências desconhecidas para os ecossistemas dos quais são componentes essas espécies, e dos quais dependemos nós para a manutenção de uma série de serviços ecossistêmicos, como a geração de água.

 

 

 


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